Raízes indígenas guiam o debate do III Cineclube e Clube de Leitura GenI
- Núcleo GenI - Gênero e interseccionalidade
- 6 de fev.
- 3 min de leitura
Atualizado: 31 de out.

Na edição de julho de 2025, o Núcleo GenI se reuniu para discutir sobre o livro Originárias: Uma antologia feminina de literatura indígena, de Trudruá Dorrico e Mauricio Negro, e o documentário As Hiper Mulheres, de Takuma Kuikuro, Leonardo Sette e Carlos Fausto. O salão do Espaço Mon Petit se encheu de ideias e reflexões, que foram para além dessas paredes.
Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem, Júlia Batista produziu um resumo sobre o livro, destacando dois dos seus contos: Nãna e os potes de barro, de Chirley Pankará, e Kauny e sua oncinha, de Auritha Tabajara. Acompanhe as palavras de Júlia sobre o livro a seguir.
A antologia é composta por contos e recontos que refletem de maneira poética a diversidade cultural e linguística de 12 povos pela perspectiva indígena feminina. Cada texto carrega consigo a resistência da ancestralidade e da luta pela preservação das tradições e dos direitos indígenas. As autoras, provenientes de diferentes povos, compartilham suas visões do mundo, desafios cotidianos e sabedorias ancestrais, tendo como objetivo resistir enquanto mulheres, para recontar, por meio da literatura, aquilo que foi negado e omitido pela perspectiva colonial.
Os contos lidos, fogem totalmente da estética e da forma dos cânones que conhecemos, pois trazem, além da ficção, experiências ancestrais e vozes cotidianas que compartilham outras configurações de modos de viver e operar. A beleza dos contos está justamente na conexão entre indígenas e a natureza. Não há, nesse sentido, relações de poder entre o ser humano e outros seres, contrastando com as relações que percebemos no mundo capitalista contemporâneo, que enxerga a terra e seus seres como fonte de extração de recursos e produtos. Para os povos originários, há uma conexão única de linguagens que estão além da letra e do entendimento eurocentrado, pois leem o tempo, conversam com a montanha, conhecem o sol como seu ancestral, nascem com onça e transformam-se em peixes.
Os textos abordam temas variados, como a conexão com a natureza, a espiritualidade, o amor, a resistência cultural, o papel das mulheres nas comunidades e as dificuldades enfrentadas na contemporaneidade. A questão da identidade é central, mostrando como as autoras navegam entre o passado e o presente, mantendo vivas as tradições enquanto dialogam com o mundo moderno.
Todos os contos me tocam de maneira singular, mas quero destacar dois, que, de certa forma, me fizeram lembrar de experiências que não vivi, mas que fazem parte dos elos que me ligam à minha ancestralidade. O primeiro é: Nãna e os potes de barro, da autora indígena Chirley Pankará. No conto, o sentimento que predominou no meu peito, durante a leitura, foi a saudade, saudade da terra, do barro, das histórias e ensinamentos. A parenta Chirley, além de mostrar suas lembranças da infância com as confecções de potes de barro, por meio da sabedoria de sua avó, nos mostra através dessa criação artística, ensinamentos sobre sobre o quão é importante a coletividade, ler a natureza, ter paciência, persistir e valorizar suas tradições, aspetos inexistentes nas relações capitalistas presente em nosso meio.
O segundo é o da autora Auritha Tabajara, o conto de Kauny e sua oncinha. Esse conto é incrível, o conheci pela voz da própria Auritha, quando participei de um evento remoto em 2021. Nele, percebemos aspectos importantíssimos como a resistência diante do opressor que busca extinguir nossa existência. Kauny juntamente com o ser que nasce em seu pescoço, a oncinha, são o símbolo dessa resistência. O narrador mostra como a personagem feminina é retratada como a guardiã dos segredos da floresta, sendo capaz de se comunicar com todos os seres. A narrativa gira em torno da resistência da personagem e de seu irmão às invasões do seu território e corpos. Kauny enquanto mulher indígena teve seu corpo cobiçado e desejado pela neurose ocidental, fator observado com o interesse do jovem rei pela menina. A personagem na história não é salva, nem pelo seu irmão e muito menos pelo rei, mas sim, pela conexão que tem com o sua oncinha, a conexão que tem como guardiã da natureza. O conto da onça pintada no pescoço de Kauny destaca a importância da conexão entre os seres humanos e a natureza, bem como a necessidade de respeitar o seus corpos e territórios.
Em suma, destaco a relevância dessas e de outras narrativas de mulheres indígenas que através de seus cantos e contos resistem à opressão e silenciamento e nos mostram outras compreensões de mundo, modos de viver, pensar e existir.
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